terça-feira, 1 de outubro de 2013

Extra-visível

Nas primeiras vezes que vi imagens em infravermelho confesso que não gostei muito. Acho que foi o choque de ver as cores todas "erradas", já que como a absoluta maioria das pessoas eu passei a vida toda vendo fotografias dentro do espectro visível. Aos poucos fui me interessando mais e acabei comprando dois filtros (um tipo de lente que se coloca na frente da lente da câmera), um de 720nm e outro de 950nm.
Nm significa nanômetro e é a unidade de medida utilizada para comprimentos de onda de luz. Digamos que o que nossos olhos veem está entre 400nm e 700nm, do vermelho ao violeta, como na figura:



 Fora desse espectro temos o ultravioleta e o infravermelho, frequências invisíveis ao olho humano mas que podem ser captados pelos sensores das câmeras digitais.No entanto, todas as câmeras tem um filtro junto ao sensor que bloqueia essa capacidade justamente para que as fotos fiquem dentro do espectro visível, e com as cores "certas". Para vencer essa barreira pode-se adicionar um outro filtro na frente da lente ou remover o filtro interno.

Filtro montado na lente

O filtro externo tem a vantagem de não alterar a câmera, ou seja, ao remove-lo você pode voltar a tirar fotos normalmente. A desvantagem é que necessita de maior tempo de exposição e de um tripé, dificultando ou impossibilitando fotografias de pessoas ou animais ou mesmo fotografar em lugares mais movimentados. Também requer que a imagem seja processada num editor de imagem, já que a foto fica predominantemente avermelhada:

Foto como sai da câmera, filtro 720nm

Mesma foto editada no Photoshop
A remoção do filtro interno permite que o sensor capte não só toda a luz visível mas também o infravermelho, transformando-a numa câmera full-spectrum (todo espectro). A vantagem é que se pode fotografar normalmente, sem tripé ou longas exposições. A desvantagem é que não dá pra ficar abrindo a câmera toda hora pra colocar o filtro de volta no lugar, então todas as fotos serão sempre assim:

Foto full spectrum; alteração interna da câmera
 Ainda sobre os filtros, quanto maior o comprimento de onda mais difícil é de se trabalhar com cores visíveis, sendo que o de 950nm geralmente apresenta fotos monocromáticas:

Foto com filtro 950nm editada no Photoshop
E um gráfico de uma câmera Canon que mostra como os canais de cor ficam próximos em 950nm, levando à imagem monocromática:


É isso aí! Espero ter esclarecido um pouco sobre esse tipo de fotografia! Alguns links para gente que realmente entende disso:


Thanks!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Diário de bordo (2)

Se o Metrô já é lotado normalmente, imaginem em dia de greve da CPTM. Plataformas cheias, gente passando mal, trens operando no limite. E no meio de tudo, eu e meu trenzinho #341 fomos direto de Barra Funda até Sé, onde começaria a prestar serviço.

Não se fazem mais trens como antigamente!
 Estação hiper lotada, buzinei pra chamar a atenção do povo para o trem porque não queria levar nenhuma cabeça, só que ao invés de se afastarem um pouco, as pessoas aplaudiram a chegada do trem vazio! Tive que rir!
Conforme as pessoas iam entrando e gritando uns com os outros pra tomarem cuidado com as crianças e os idosos, meu trem ia perdendo pressão do ar (que foi todo para as bolsas de ar abaixo dos carros, que se inflam conforme o trem vai lotando). Só que quando a pressão baixa muito, o trem aplica freio de emergência e não anda até que normalize. Enquanto isso, outros trens iam enfrentando problemas com botões de emergência acionados e portas que não fechavam devido à superlotação.
Mas, pra abreviar a história, conseguimos todos chegar em Itaquera após muitas paradas para "aguardar o trem a frente" e muitos pedidos da minha parte para colaborar com o fechamento das portas. Alguém quebrou alguma coisa no meu trem e ele teve que ser recolhido (por outro operador), e enquanto eu andava pela plataforma uma moça me chamou e perguntou se era eu quem estava conduzindo aquele trem. Respondi que sim e ela disse: "parabéns, sua atuação foi perfeita"!
Pô, fiquei feliz. Mesmo depois de ficar espremida num trem com centenas de pessoas, ela esperou eu aparecer pra fazer um elogio, que foi o primeiro que recebi assim lá no metrô.
Muito obrigado, moça!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Estar só por entre a gente

Solidão


Escrevo esse post baseado num texto do blog da Mariana do "pra mim você morreu" e num comentário que fiz sobre o mesmo.
Me pergunto se alguém conseguiu ter, aos 20 ou 30 anos, a vida que pensou que teria. Não sei se mais gente fazia aquele exercício de imaginar como seria a vida adulta, qual emprego, qual casa, qual carro, qual mulher, quais amigos, quais aventuras. Eu fiz, e como a maioria das previsões esta não saiu bem como eu esperava.
Por causa do veneno chamado comparação, estamos sempre avaliando a nossa vida a partir da dos outros mesmo que de forma inconsciente, e desde o advento das redes sociais isso foi ficando quantitativamente mais fácil e qualitativamente mais difícil. Temos muita informação sobre vidas alheias, e como são boas! É tanta felicidade que me pergunto se não tem gente que vai trabalhar na fábrica de chocolates Wonka montado num unicórnio alado!
Mas estou fugindo do assunto. O que quero dizer é que a vida vai criando esse distanciamento entre nós e as pessoas que conhecemos em determinado momento da nossa vida, até o ponto em que elas voltam a ser estranhas e só seja possível aquela amizade estéril do Facebook.
E fica ainda pior quando você mesmo muda tanto que já não se reconhece em nenhum dos grupos que participava, seja o da faculdade, do trabalho, da religião e mesmo a própria família. Arrisco um pouco de arrogância ao pensar que talvez algumas pessoas tenham um conhecimento maior sobre o abismo interior, aquele que tentamos preencher com amigos, deuses, tablets e paixões. Essas pessoas percebem que nada disso é capaz de preencher o vazio porque, dado o seu conhecimento, sabem que todas essas coisas são transitórias ou falsas.
A maioria prefere não olhar dentro do abismo porque não existe conhecimento sem sofrimento. Aquele que sabe, questiona. E o questionamento das verdades estabelecidas é o caminho mais rápido para a solidão, afinal ninguém quer ficar perto do chato, do "do contra", do infeliz que só reclama. Dessa forma a pessoa se fecha sobre si mesma, perdendo parte da habilidade de conviver com os outros, pois nunca sabe se está incomodando ao mesmo tempo em que já não consegue trilhar o caminho do lugar-comum.
A nós, errantes do coletivo, deixo aqui o poema de outra errante: Cecília Meireles.

Retrato Falante
 Não há quem não se espante,  quando
mostro o retrato desta sala,
que o dia inteiro está mirando,
e à meia-noite em ponto fala.

Cada um tem sua raridade:
selo, flor, dente de elefante.
Uns tem até felicidade!
Eu tenho o retrato falante

Minha vida foi sempre cheia
de visitas inesperadas,
a quem eu me conservo alheia,
mas com as horas desperdiçadas.

Chegam, descrevem aventuras,
sonhos, mágoas, absurdas cenas.
Coisas de hoje, antigas, futuras...
(A maioria mente, apenas.)

E eu, fatigada e distraída,
digo sim, digo não - diversas
respostas de gente perdida
no labirinto das conversas.

Ouço, esqueço, livro-me - trato
de recompor o meu deserto.
Mas, à meia-noite, o retrato
tem um discurso pronto e certo.

Vejo então por que estranho mundo
andei, ferida e indiferente,
pois tudo fica no sem-fundo
dos seus olhos eternamente.

Repete palavras esquivas
sublinha, pergunta, responde,
e apresenta, claras e vivas,
as intenções que o mundo esconde.

Noutra noite me disse: " A morte
leva a gente. Mas os retratos
são de natureza mais forte,
além de serem mais exatos.

Quem tiver tentando destruí-los, por mais que os reduza a pedaços,
encontra os seus olhos tranqüilos
mesmo rotos, sobre os seus passos.

Depois que estejas morta, um dia, tu, que és só desprezo e ternura,
saberás que ainda te vigia
meu olhar, nesta sala escura.

Em cada meia-noite em ponto,
direi o que viste e o que ouviste.
Que eu - mais que tu - conheço e aponto
quem e o que te deixou tão triste."

sábado, 16 de março de 2013

Consequências do cristianismo

Infelizmente não tenho o dom da escrita, porém tenho o gosto pela leitura. Recentemente li o livro Cultura da Reclamação, de Robert Hughes, e gostaria de compartilhar um trecho do texto do primeiro capítulo, que o autor tomou emprestado do poeta W.H. Auden para explicar o que Herodes pensava sobre as consequências de se permitir que Cristo sobrevivesse.

"A Razão será substituída pela Revelação. O Conhecimento degenerará num tumulto de visões subjetivas - sensações no plexo solar causadas por subnutrição, imagens angelicais geradas por febre ou drogas, avisos em sonhos inspirados por um som de água caindo.
[...] O Idealismo será substituído pelo Materialismo. Desviado de sua válvula de escape normal, o patriotismo e o orgulho cívico ou familiar, o anseio das massas por um ídolo visível para adorar será dirigido para canais totalmente insociáveis onde nenhuma educação pode alcançá-lo. Homenagens divinas serão prestadas a rasas depressões na terra, animais de estimação, moinhos de vento em ruínas ou tumores malignos.
A Justiça será substituída pela Piedade como virtude humana fundamental, e desaparecerá todo o medo da punição. Cada garoto de esquina se congratulará consigo mesmo: 'Sou tão pecador que Deus em pessoa desceu para me salvar'. Todo vigarista argumentará: 'Gosto de cometer crimes. Deus gosta de perdoá-los. Na verdade o mundo está admiravelmente organizado'. A nova aristocracia consistirá exclusivamente de eremitas, vagabundos e inválidos permanentes. O Diamante Bruto, a Prostituta Tísica, o bandido bondoso para com a mãe, a jovem epiléptica que tem jeito com animais serão os heróis e heroínas da Nova Tragédia, quando o general, o estadista e o filósofo se tiverem tornado motivo de toda farsa e sátira".

E não é que isso se tornou realidade?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Lições sobre a morte

E faleceu o irmão mais velho do meu pai, o Tio Zeca, como a gente chamava. E é claro que há toda aquela tristeza diante da vida que se vai e do vazio que fica no lugar daquela pessoa. Eu gostava dele, apesar de não manter uma relação de proximidade com praticamente ninguém da minha família por motivos diversos.
Porém, a morte também é sempre uma oportunidade de reflexão e aprendizado. E foi assim que aconteceu:
Após recebermos aquele típico telefonema bem cedo de manhã e ficarmos sabendo do acontecido, eu e minha mulher estávamos decidindo sobre ir ao velório, como chegar ao local e se levaríamos as crianças. Nesse ponto sempre achei importante que a criança fosse exposta a esse tipo de situação quando ela surgisse, afinal, fora os impostos essa é a única certeza da vida. Porém meus filhos estão naquela fase onde tudo é bagunça e embora eles sempre tenham se comportado bem pelo menos fora de casa, dessa vez eu estava um pouco receoso em levá-los.
E quando fui falar com eles, eis que meu filho me faz a seguinte colocação: "Mas pai, eu nunca vi uma pessoa morta"! Depois dessa, só me restou explicar a ele o que aquilo significava para as pessoas e como ele deveria se comportar.
No dia do funeral, chegamos ao cemitério e após cumprimentarmos todos os conhecidos fomos até a sala do velório.  Ele se comportou perfeitamente bem, observou meu falecido tio através daquele vidro no caixão e, como havíamos combinado, deixou para fazer suas perguntas do lado de fora da sala. Suas perguntas foram: como ele foi colocado no caixão; quem o levou até aquela sala; se ele seria enterrado e ninguém ia mais vê-lo. Até aí, tudo dentro do esperado. Até que ele me diz:
- Papai, acho que quando as pessoas morrem elas não vão pro céu.
- Por que você acha isso?
- Porque seu tio morreu e ele ainda está lá.
 Apesar de compartilhar essa mesma ideia com ele, expliquei o melhor que pude que segundo as pessoas acreditam não é exatamente o corpo que vai pro céu, mas sim algo que chamam de alma. E que ele só precisa decidir no que acredita quando ficar mais velho e entender melhor essas coisas.
Não tem como não admirar a sagacidade das crianças.