quarta-feira, 3 de abril de 2013

Estar só por entre a gente

Solidão


Escrevo esse post baseado num texto do blog da Mariana do "pra mim você morreu" e num comentário que fiz sobre o mesmo.
Me pergunto se alguém conseguiu ter, aos 20 ou 30 anos, a vida que pensou que teria. Não sei se mais gente fazia aquele exercício de imaginar como seria a vida adulta, qual emprego, qual casa, qual carro, qual mulher, quais amigos, quais aventuras. Eu fiz, e como a maioria das previsões esta não saiu bem como eu esperava.
Por causa do veneno chamado comparação, estamos sempre avaliando a nossa vida a partir da dos outros mesmo que de forma inconsciente, e desde o advento das redes sociais isso foi ficando quantitativamente mais fácil e qualitativamente mais difícil. Temos muita informação sobre vidas alheias, e como são boas! É tanta felicidade que me pergunto se não tem gente que vai trabalhar na fábrica de chocolates Wonka montado num unicórnio alado!
Mas estou fugindo do assunto. O que quero dizer é que a vida vai criando esse distanciamento entre nós e as pessoas que conhecemos em determinado momento da nossa vida, até o ponto em que elas voltam a ser estranhas e só seja possível aquela amizade estéril do Facebook.
E fica ainda pior quando você mesmo muda tanto que já não se reconhece em nenhum dos grupos que participava, seja o da faculdade, do trabalho, da religião e mesmo a própria família. Arrisco um pouco de arrogância ao pensar que talvez algumas pessoas tenham um conhecimento maior sobre o abismo interior, aquele que tentamos preencher com amigos, deuses, tablets e paixões. Essas pessoas percebem que nada disso é capaz de preencher o vazio porque, dado o seu conhecimento, sabem que todas essas coisas são transitórias ou falsas.
A maioria prefere não olhar dentro do abismo porque não existe conhecimento sem sofrimento. Aquele que sabe, questiona. E o questionamento das verdades estabelecidas é o caminho mais rápido para a solidão, afinal ninguém quer ficar perto do chato, do "do contra", do infeliz que só reclama. Dessa forma a pessoa se fecha sobre si mesma, perdendo parte da habilidade de conviver com os outros, pois nunca sabe se está incomodando ao mesmo tempo em que já não consegue trilhar o caminho do lugar-comum.
A nós, errantes do coletivo, deixo aqui o poema de outra errante: Cecília Meireles.

Retrato Falante
 Não há quem não se espante,  quando
mostro o retrato desta sala,
que o dia inteiro está mirando,
e à meia-noite em ponto fala.

Cada um tem sua raridade:
selo, flor, dente de elefante.
Uns tem até felicidade!
Eu tenho o retrato falante

Minha vida foi sempre cheia
de visitas inesperadas,
a quem eu me conservo alheia,
mas com as horas desperdiçadas.

Chegam, descrevem aventuras,
sonhos, mágoas, absurdas cenas.
Coisas de hoje, antigas, futuras...
(A maioria mente, apenas.)

E eu, fatigada e distraída,
digo sim, digo não - diversas
respostas de gente perdida
no labirinto das conversas.

Ouço, esqueço, livro-me - trato
de recompor o meu deserto.
Mas, à meia-noite, o retrato
tem um discurso pronto e certo.

Vejo então por que estranho mundo
andei, ferida e indiferente,
pois tudo fica no sem-fundo
dos seus olhos eternamente.

Repete palavras esquivas
sublinha, pergunta, responde,
e apresenta, claras e vivas,
as intenções que o mundo esconde.

Noutra noite me disse: " A morte
leva a gente. Mas os retratos
são de natureza mais forte,
além de serem mais exatos.

Quem tiver tentando destruí-los, por mais que os reduza a pedaços,
encontra os seus olhos tranqüilos
mesmo rotos, sobre os seus passos.

Depois que estejas morta, um dia, tu, que és só desprezo e ternura,
saberás que ainda te vigia
meu olhar, nesta sala escura.

Em cada meia-noite em ponto,
direi o que viste e o que ouviste.
Que eu - mais que tu - conheço e aponto
quem e o que te deixou tão triste."

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